O Evangelho de
Marcos narra o ministério de Jesus, desde Seu
batismo por
João Batistaaté Sua
Ascensão. A obra concentra-se particularmente na
última semana de Sua vida (capítulos 11-16, a viagem até
Jerusalém). Sua narrativa rápida retrata Jesus como um homem de ação heróica, um
exorcista, um curandeiro e um milagreiro.
Um tema importante de Marcos é o Segredo Messiânico. Jesus pede silêncio sobre sua identidade messiânica aos endemoninhados que Ele cura, além de esconder sua mensagem com
parábolas. Os discípulos também não conseguem entender as implicações dos
milagres de Cristo.
Todos os quatro evangelhos canônicos são anônimos, mas a tradição cristã primitiva identifica autor deste evangelho como
Marcos, o Evangelista, de quem se diz ter baseado este trabalho sobre o testemunho de
Pedro. Alguns estudiosos modernos consideram essa tradição essencialmente credível, enquanto outros a põe em cheque. No entanto, mesmo os estudiosos que duvidam da autoria de Marcos reconhecem que muito do material deste Evangelho remonta um longo caminho, representando informações importantes sobre o
Jesus histórico. Por isso, o Evangelho de Marcos é muitas vezes considerado a fonte primária de informações sobre o ministério de Jesus.
Provavelmente, o Evangelho de Marcos não leva o o nome do seu autor. A tradição do
século 2 atribuiu a autoria deste
evangelho a
Marcos Evangelista (também conhecido como
João Marcos), um companheiro de
Pedro. Para os
Pais da Igreja, a obra foi baseada nas memórias de Pedro. O evangelho foi escrito em
grego koiné logo após a
destruição do Segundo Templo de Jerusalém no ano
70 dC, possivelmente na
Síria. No entanto, outros estudiosos afirmam que evidências, tanto externa quanto interna, apontam para a autoria de Marcos, antes do ano 70 dC. Por outro lado, o uso feito pelo autor de fontes variadas seria uma evidência contra a autoria tradicional. De acordo com a maioria, o autor é desconhecido.
Autoria e fontes[editar]
De acordo com
Irineu,
Papias de Hierápolis (escritor do início do
século II) relatou que este evangelho foi escrito por
João Marcos, companheiro de
Pedro em
Roma e em "
momento algum errou ao escrever as coisas conforme recordava. Sua preocupação era apenas uma: não omitir nada do que havia ouvido, nem falsificar o que transmitia."
1 . A maioria de estudiosos modernos do
Novo Testamento acreditam que este evangelho foi escrito na
Síria por um
cristão desconhecido, em torno de
70 dC, utilizando várias fontes, incluindo uma narrativa da
paixão (provavelmente escrito), uma coleção de milagres e histórias de
Jesus (oral ou escrita), tradições apocalípticas (provavelmente escrito), além de controvérsias e ditos didáticos (alguns possivelmente escritos). Alguns dos materiais presentes no Evangelho de Marcos, no entanto, são bastante antigos, o que representa uma importante fonte de informações históricas sobre o
Jesus histórico.
Marcos escreveu principalmente para um público
gentio, de
língua grega e residentes do
Império Romano: as
tradições judaicas são explicadas de forma clara visando os
não-judeus (por exemplo, Marcos 7:1-4; 14:12; 15:42); há várias palavras e frases em
aramaicoque são expandidas e explicadas pelo autor, como
ταλιθα κουμ (
Talitha qoum, em
Marcos 5:41, no episódio da
Filha de Jairo),
κορβαν (
Corban,
Marcos 7:11),
αββα (
abba,
Marcos 14:36). Quando Marcos faz uso do
Antigo Testamento, ele o faz se utilizando da versão traduzida para o
grego, a
Septuaginta (por exemplo,
Marcos 1:2;
Marcos 2:23-28;
Marcos 10:48;
Marcos 12:18-27; também compare
Marcos 2:10 com
Daniel 7:13-14) .
Fonte de Mateus e Lucas[editar]
Maioria dos estudiosos acreditam que o Evangelho de Marcos foi o primeiro dos
evangelhos canônicos a ser escrito, servindo como fonte para os evangelhos de
Mateus e
Lucas. A razão porque este evangelho recebe tanta atenção por parte da comunidade acadêmica é a crença generalizada de que o Evangelho de Marcos e, provavelmente, a
fonte Q, foram a base dos
evangelhos sinópticos, como descrita na hipótese das duas fontes. Assim, os eruditos no
Novo Testamento concordam que o Evangelho de Marcos é um documento, escrito
grego koiné e que serviu de base para os Evangelhos Sinópticos. Ele fornece a cronologia geral da
vida de Jesus, desde o
batismo até o
túmulo vazio.
Diferentes versões[editar]
As interpolações também não são editoriais. Na
crítica textual, é comum que comentários escritos nas margens dos manuscritos sejam incorporadas ao texto nas cópias daquela versão. Qualquer exemplo particular é aberta à discussão, mas pode-se tomar como exemplo a nota de
«Quem tem ouvidos para ouvir, ouça» (
Marcos 7:16), que não é encontrado nos manuscritos mais antigos.
Revisão e erro editorial também podem contribuir para as diferentes versões do texto de Marcos. A maioria das diferenças são triviais. No entanto,
Marcos 1:41, onde
o leproso se aproximou de Jesus implorando para ser curado, é significativo. Os manucritos mais antigos (
Texto-tipo Ocidental) afirmam que Jesus ficou
irado com o leproso, enquanto as versões mais tardias (
Texto-tipo Bizantino) indicam que Jesus mostrou compaixão. Esta é possivelmente uma confusão entre as palavras em aramaico
ethraham (ele tinha pena) e
ethra'em (ele ficou furioso). Como é mais fácil entender por que um
escriba iria mudar
raiva para
pena do que
pena à
raiva, a versão anterior é provavelmente a original.
Final de Marcos[editar]
A partir do
século XIX, os estudiosos da
crítica textual passaram a afirmar que Marcos 16:9-20, que descreve o encontro de alguns discípulos com Jesus ressuscitado, foi uma adição posterior ao evangelho. Nesse caso, Marcos 16:8 seria o fim do Evangelho de Marcos com a descrição do túmulo vazio e que é imediatamente precedido por uma declaração de um
jovem vestido com uma túnica branca afirmando que Jesus
ressuscitou e está
indo adiante de vós para a Galiléia. Os últimos doze versos estão faltando nos mais antigos manuscritos do Evangelho de Marcos. Além disso, o estilo destes versos é diferente do resto deste evangelho, sugerindo que eles foram uma adição posterior.
Em uma pequena quantidade de manuscritos, um
final curto é incluído após Marcos 16:8, mas antes do
final longo. E existe por si só em um dos primeiros códices latinos, e no Codex Bobiensis. Por volta do
século V, pelo menos quatro finais diferentes foram encontrados. Possivelmente, o
final longo (16:9-20) começou como um resumo das evidências para a ressurreição e a missão de Jesus para os
apóstolos, com base em outros evangelhos. Provavelmente foi composto no início do
século II e incorporadas ao evangelho por volta de meados do segundo século.
Portanto, o Evangelho de Marcos pode ter originalmente terminado de forma abrupta em Marcos 16:8. Isto tornou-se uma questão problemática para os estudiosos, já que seria improvável que um autor cristão teria intencionalmente terminado seu evangelho de tal forma. A explicação mais comum e mais aceita é que o final foi perdido. Isto não é incomum com os pergaminhos antigos devido a seus padrões de desgaste. O evangelho pode ter sido inacabado, devido à morte do autor ou alguma forma de perseguição. Pode ser também que Marcos poderia ter sido uma obra de dois volumes - como
Lucas-Atos -, sendo a segunda parte perdida ou inacabada.
Irineu (
180), citou o final longo como parte do evangelho de Marcos. O teólogo terceiro século,
Orígenes de Alexandria, citou as histórias de ressurreição em
Mateus,
Lucas e
João, mas não conseguiu nada depois de citar Marcos 16:8, sugerindo que sua cópia de Marcos tinha parado ali.
Eusébio e
Jerônimo mencionaram a maioria dos textos disponíveis para eles, mas omitiram o final mais longo.
Dessa forma, os críticos estão divididos. Alguns acham que o final original em 16:8 foi intencional. Outros acreditam que é resultado de perda acidental, ou até mesmo a morte do autor. Aqueles que acreditam que o final não foi 16:8 argumentam que seria muito incomum em termos de
sintaxe terminar este evangelho com a conjunção
gar (γάρ), como acontece com Marcos 16:8. Além disso, tematicamente seria estranho para um livro de
boas notícias terminar com uma nota de medo (ἐφοβοῦντο γὰρ
pois eles estavam com medo). Se o término 16:8 foi intencional, ele pode indicar uma conexão com o tema do
segredo messiânico. Este final abrupto também é usado para apoiar a identificação deste livro como um exemplo de
drama do armário, que, caracteristicamente, termina sem resolução e muitas vezes com um acontecimento trágico ou chocante que impede o fechamento.
Características[editar]
O
Evangelho de Marcos é diferente dos outros
evangelhos em vários detalhes, na linguagem e no conteúdo. Sua
teologia é única. O vocabulário presente nesta obra possuem 1330 palavras distintas, das quais 60 são nomes próprios. Oitenta palavras (exclusivo de nomes próprios), não são encontradas em outras partes do
Novo Testamento. Cerca de um quarto delas não são clássicas. Além disso,
Marcos faz uso do
presente histórico, bem como do
segredo messiânico a fim de revelar a mensagem do seu Evangelho.
Os
cristãos consideram o Evangelho de Marcos como
divinamente inspirado, tendo a teologia desta obra em consonância com a do resto da
Bíblia. Cada um vê Marcos como uma das mais importantes contribuições para a
teologia cristã, apesar de os cristãos discordarem às vezes sobre a natureza dessa teologia. No entanto, a contribuição deste evangelho para a teologia do
Novo Testamento pode ser identificada como única em si.
Marcos é visto tanto como um
historiador quanto como um
teólogo, declarando que sua narrativa seja sobre
o Evangelho de Jesus Cristo. O tema do
Messias sofredor é a peça central para a interpretação que Marcos faz de
Jesus, da teologia deste evangelho bem como da estrutura da obra. O conhecimento sobre a verdadeira identidade sobre o [[messias] está oculto e somente aqueles com uma visão espiritual podem ver. O conceito de conhecimento oculto pode ter se tornado a base dos
Evangelhos Gnósticos. Por isso, John Killinger argumenta que, em Marcos, a narrativa da ressurreição está escondida durante todo o evangelho ao invés de estar presente no final. Ele especula assim que o autor deste evangelho pode ter sido um
gnóstico cristão. No entanto, a maioria dos estudiosos no Novo Testamento não concordam com essa visão.
Segredo messiânico[editar]
Em Marcos, mais do que nos outros
sinóticos,
Jesus esconde sua identidade messiânica. Quando ele vai
exorcizar demônios e eles o reconhecem, Jesus sempre manda-os ficar em silêncio. Quando Ele cura as pessoas, pede-lhes para não revelar como elas foram curados. Quando prega, ele usa
parábolas para esconder sua verdadeira mensagem. Os
discípulos são ignorantes sobre a compreensão do verdadeiro significado do Cristo, compreendendo-o somente após Sua morte. Este
segredo messiânico é uma questão central nos estudos da
Bíblia.
Em
1901, William Wrede desafiou a visão corrente. Ele criticou os estudos de Marcos que afirmavam que este evangelho possuía uma narrativa simples e histórica. Para Wrede, o segredo messiânico foi um artifício literário que Marcos usou para resolver a tensão entre os primeiros cristãos, que saudaram Jesus como o
Messias, e o
Jesus histórico que, segundo ele, nunca fez tal afirmação sobre si
2 . O segredo messiânica continua a ser um dos principais tópico de debate entre os eruditos do
Novo Testamento.
Adocionismo[editar]
No entanto, há uma crença entre uma minoria cristã chamada
Adocionismo. Os adocionistas acreditam que Jesus era plenamente humano, nascido de uma união sexual entre
José e
Maria. Nesse caso, Jesus só se tornou divino mais tarde, em seu
batismo. Ele foi escolhido como o primogênito de toda a
criação por causa de sua devoção sem
pecado à vontade de
Deus.
O adocionismo provavelmente surgiu entre os primeiros cristãos judeus que procuravam conciliar as alegações de que Jesus era o Filho de Deus, com o estrito
monoteísmo do
Judaísmo - onde o conceito de uma
Trindade era inaceitável. Estudiosos como
Bart D. Ehrman argumentam que a teologia adocionista pode remontar quase ao tempo de
Jesus. O início judaico-cristã dos Evangelhos não fazem nenhuma menção de um nascimento sobrenatural. Em vez disso, eles afirmam que Jesus foi gerado em seu batismo.
O
adocionismo já estava presente no tempo de
Mateus e dos outros
Apóstolos. De acordo com os
Padres da Igreja, o primeiro Evangelho foi escrito pelo apóstolo Mateus, e sua narrativa foi chamada de
Evangelho dos Hebreus ou
Evangelho dos Apóstolos. Este primeiro relato escrito da vida de Jesus foi adocionista em sua natureza. O Evangelho dos Hebreus não tem menção ao nascimento virginal e quando Jesus é batizado a obra afirma:
Jesus saiu da água, o céu se abriu e viu-se o Espírito Santo descer na forma de uma pomba e entrar nEle. Em seguida, uma voz do céu disse: Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo". E, novamente, "Hoje eu te gerei". Imediatamente uma grande luz brilhou ao redor do local".
Alguns estudiosos também vêem a teologia adocionista no Evangelho de Marcos. Marcos tem Jesus como o
Filho de Deus, que ocorrem em pontos estratégicos do Evangelho, em 1:1 ("O começo do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus") e em 15:39 ("Certamente este homem era o Filho de Deus!"), mas o nascimento virginal de Jesus não foi narrado. A frase "Filho de Deus" não está presente em alguns
manuscritos antigos em 1:1.
Bart D. Ehrman usa esta omissão para apoiar a noção de que o título de "Filho de Deus" para Jesus não é usado até Seu
batismo. Sendo assim, Marcos refletiria uma visão de adoção. No entanto, a autenticidade da omissão de "Filho de Deus" e seu significado teológico tem sido rejeitada por boa parte dos estudiosos, como Bruce Metzger e Ben Witherington III.
No momento em que os Evangelhos de
Lucas e
Mateus foram escritos, Jesus é retratado como sendo o Filho de Deus, desde o momento do
nascimento. Finalmente, o
Evangelho de João retrata o Filho como existente desde o "princípio".
Significado da morte de Jesus[editar]
O Evangelho de Marcos retrata a
morte de Jesus como um
sacrifício expiatório pelo
pecado3 4 . A cortina do Templo, que servia como uma barreira entre a santa presença de divina e o mundo profano, rasga no momento da morte de Jesus - simbolizando o fim da divisão entre o homem e Deus
4 .
A única menção explícita do significado da morte de Jesus ocorre em
Marcos 10:45, onde
Jesus diz que o
Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida em resgate (lutron) de muitos (anti Pollon). De acordo com Barnabé Lindars, este versículo refere-se a
canção do servo sofredor de
Isaías, com
lutron referindo-se à "oferta pelo pecado" (
Isaías 53:10) e
anti Pollon ao Servo "carregando o pecado de muitos", em
Isaías 52:125 . A palavra grega
anti significa "no lugar de", que indica uma
mortesubstitutiva
6 .
Muitos estudiosos acreditam que Marcos estruturou seu evangelho de forma a enfatizar a morte de Jesus. Alan Culpepper, por exemplo, vê
Marcos 15:1-39 como o desenvolvimento em três atos, cada um contendo um evento e uma resposta
7 . O primeiro evento é o julgamento, seguido pelas zombarias do soldados contra Jesus; o segundo evento é Jesus sendo crucificado, seguido pelos espectadores zombando dele; o terceiro e último evento nesta seqüência é a morte de Jesus, seguida pelo véu do templo sendo rasgado e a confissão do
centurião que afirma: "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus". Essa estrutura triádica de Marcos enfatiza a importância desta última confissão do centurião romano, o que proporciona um contraste dramático com as duas cenas de escárnio que a precedem. Bauer sugere que "o evangelho de Marcos, ao trazer um clímax com esta confissão
cristológica na
cruz, indica que Jesus é, em primeiro lugar, o Filho de Deus; E que Jesus é Filho de Deus como aquele que sofre e morre em obediência a Deus"
8 . Joel observa que enquanto os outros evangelistas atenuam, Marcos "enfatiza o sofrimento e a morte de Jesus na cruz". Por isso, ele vê "Marcos como mais fortemente influenciado pela teologia da cruz de Paulo do que os outros evangelhos"
9 .
Referências
- ↑ "O presbítero também dizia o seguinte: 'Marcos, intérprete de Pedro, fielmente escreveu - embora de forma desordenada - tudo o que recordava sobre as palavras e atos do Senhor. De fato, ele não tinha escutado o Senhor, nem o seguido. Mas, como já dissemos, mais tarde seguiu a Pedro, que o instruía conforme o necessário, mas não compondo um relato ordenado das sentenças do Senhor. Portanto, Marcos em momento algum errou ao escrever as coisas conforme recordava. Sua preocupação era apenas uma: não omitir nada do que havia ouvido, nem falsificar o que transmitia'". Pápias, também citado por Eusébio. História da Igreja 3.39.15. São Paulo: Paulinas, 1995;
- ↑ William Wrede.The Oxford dictionary of the Christian church. New York: Oxford University Press, 2005;
- ↑ Alister McGrath. Paixão pela verdade: a coerência intelectual do evangelicalismo. São Paulo: Shedd, 2007 (p. 36);
- ↑ a b Bart D. Ehrman. Jesus, Interrupted. HarperCollins: 2009;
- ↑ Barnabas Lindars. Salvation Proclaimed, VII: Mark 10:45 – A Ransom for Many Expository Times 93, 1982 (p. 293);
- ↑ George Eldon Ladd. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003;
- ↑ Alan Culpepper. "The Passion and Resurrection in Mark," Review & Expositor 75, 1978 (p. 584);
- ↑ D. R. Bauer. Son of God. In: Joel Green, Scot McKnight e Howard Marshall (org.). Dictionary of Jesus and the Gospels. Downers Grove: IVP, 1992 (p. 773);
- ↑ Joel Marcus (200). Mark – Interpreter of Paul". New Testament Studies 46 (4): 473–487.
Ligações externas